sábado, 25 de fevereiro de 2012
Se eu te perder
Se eu te perder
“Muito cuidado com mudar a vida / e ficarmos vivendo de um só lado !”
Pablo Neruda, em “Defeitos Escolhidos e 2000”
SE EU TE PERDER, talvez acabe por viver um pouco em paz, sem tensões e sem ansiedades, sobretudo sem angustiosas esperas por impossíveis sonhos.
SE EU TE PERDER, com certeza sobrarão horas para executar pequeninas coisas, sempre adiadas ou esquecidas: arrumar gavetas, consertar defeitos dos objetos, rasgar papéis, limpar armários, doar velhas roupas, atualizar correspondências, visitar velhos amigos, ler o dia inteiro, passear no calçadão, sentar à beira-mar, ouvir o barulho da chuva caindo e, com grande disponibilidade, chorar... chorar e chorar.
SE EU TE PERDER enfrentarei, essencialmente, o sólido e espinhoso entendimento de que o amor possui muitos caminhos. Saberei, sangrando, que o rumo da saudade é a única trilha para chegar à cura da paixão. Sentirei, pulsando, que todo afeto sulca marcas no invisível do que somos, daí resultando o visível vir-a-ser, no que fomos.
SE EU TE PERDER buscarei todas as desconhecidas estratégias do recomeçar: pintar novos cenários existenciais, com novos pincéis que fabricarei em nome do desespero de viver; ouvir músicas que jamais passaram pelo meu repertório favorito, tentando nelas descobrir significantes e significados ignorados: reavivar o quanto dos meus desejos e prazeres infantis ainda estão insepultos, a despeito do muito que deles deixei enterrar, por obediência às convenções e às imposições; (re)acender o derradeiro fogo vivo que sempre iluminou minha busca pela felicidade, e que foi justamente apagado quando me levaste à terna sombra de um convívio, onde nossos corpos começaram a ter luz própria.
SE EU TE PERDER pedirei ao primeiro pássaro volateante que leve minha mensagem a todos os solitários, por aí abandonados: - É preciso crer que tudo muda – as pedras mudam, os tempos mudam, os amores mudam, de um sol para uma lua. E mais: seguirei das formigas o andejar, delas assimilando lições de cooperação, de servir, no destino do imenso formigueiro que é o mundo, sobre o qual passamos... passamos... passamos... felizmente.
SE EU TE PERDER em conseqüência de todos os meus erros, reconsiderarei idéias básicas sobre “posse” e “liberdade”. Proclamarei minhas falhas, revelarei as tuas – se é que existiram -, e tentarei, por vias que desconheço, atingir a tranqüila serenidade de não exigir dos outros o que não posso cobrar de mim mesmo.
SE EU TE PERDER, todas essas aprendizagens acima descritas deverão ser vivenciadas e consolidadas – eis o que me dizem os amigos, os analistas, os conselheiros de rua, os experientes da vida, os professores de humanismos vários, os filósofos, os psicólogos e, até, os metafísicos. Porque eles sabem de tudo e possuem remédio para todos os males.
QUANTO A MIM, com toda a loucura de existir que é a minha plena lucidez, só posso incansavelmente afirmar: SE EU TE PERDER, NÃO SEI COMO ME ENCONTRAR.
Fernando de Aviz
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário